domingo, 1 de dezembro de 2013

Não me obriguem a viver feliz

Uma das situações que mais me chamam atenção - e até me cansam um pouco - na gravidez é a obrigação de ser feliz 24h por dia. Todo mundo acha a gravidez linda, maravilhosa e sensacional. Logo, você, grávida, precisa estar feliz por estar carregando uma criança. E esse fato precisa anular todos os problemas da sua vida. Claro que a preparação para ser mãe é a coisa mais incrível do mundo. Claro que, no geral, é impossível não morrer de felicidade a cada chute, a cada ultrassom, e a cada pensamento de que há uma vida crescendo dentro de você. Isso é maravilhoso demais.

Mas... a vida continua. Você precisa pagar contar, trabalhar, resolver todos os pequenos pepinos do cotidiano. Tem família, tem amigos, tem stress, tem trânsito, tem o seu próprio relacionamento que também não pode ficar em segundo plano, além das preocupações mil que surgem com a gestação. Isso sem falar no hormônios em excesso, dos enjoos, da azia, das cólicas, das dores lombares e do cansaço que surge conforme a barriga vai crescendo. Ou seja: Os problemas, aqueles chatos que insistem em fazer parte da vida, continuam a existir durante a gestação. E podem até piorar, dado o nível de sensibilidade que você pode ficar estando grávida.

Por isso, como toda grávida/pessoa, tem dias que estou explodindo de felicidade. E tem dia que estou chata, mau humorada, ranzinza. No meu caso, digo até mais: eu ando mais chata e ranzinza com a gravidez do que normalmente sou. E não é porque não amo minha filha e não me sinto abençoada por estar grávida. Sei que há mulheres que passam anos, fazem mil tentativas, gastam milhares de reais para poderem engravidar e que eu deveria agradecer a Deus por ter conseguido o feito tomando pílula. E claro que e sinto abençoada e agradeço a ele, e amo a Luísa muito, muito, muito. Mas continuo sendo uma pessoa com preocupações, problemas e dilemas diários para serem resolvidos. Logo, acho normal que haja dias em que não estou feliz.

Mas parece que, para algumas pessoas, é pecado. Nego te olha com aquele olhar que te iguala a um nazista porque você não está soltando fogos de felicidade por comemorar aquela dor nas costas insuportável que não te deixou dormir a noite inteira e que te faz  não ficar confortável em posição nenhuma. "Ah, mas deixa isso pra lá, é da gravidez, não tem que ficar mal humorada". Sempre que alguém me fala isso, eu tenho vontade de responder: é porque não são tuas costas, né? Sei que não é por mal. Mas a verdade é que acontece. Se você não mostra toda a empolgação do mundo ao falar da gravidez, já começam a te olhar torto. Se reclamar de algum sintoma então, esquece. O que eu acho incrível é que não parece passar pela cabeça dessas pessoas que talvez você simplesmente não esteja em um bom dia e que esse seja o motivo pelo qual você não está falando empolgado - e não que você não está empolgada com a gravidez em si.

O fato de eu reclamar de dor (e reclamo mesmo, odeio sentir dor, meu nível de tolerância é: tomo anestesia pra fazer limpeza de dente) não significa que estou amando menos minha filha ou menos agradecida por ela estar bem na minha barriga. Eu reclamo da dor porque ela é chata, incomoda, tira minha concentração, atrapalha meu trabalho, entre outros motivos. Eu não tenho obrigação nenhuma em estar feliz porque estou com uma dor causada pela gravidez. A gente sabe que gravidez não é simples, não é fácil, mas só quando engravidamos pela primeira vez é que a gente tem real noção das reais restrições que uma gestação impõe a uma mulher.

Frequento um fórum de grávidas e o que mais vejo são grávidas que depois das 32, 33, 34 semanas, apenas rezam pra chegar logo a hora do parto porque não aguentam mais o peso da barriga, as costas doendo, a falta de posição pra dormir, o inchaço, a azia, entre outros sintomas. Gente, como dizer pra alguém que mal consegue andar que ela precisa estar feliz por isso?

É fundamental saber separar as coisas, porque essa cobrança por felicidade plena, completa e perfeita em cima de uma grávida pode gerar uma ansiedade e stress tão grande, que eu não duvido que isso tenha influencia nos diversos casos de depressão pós parto que existem. Conversando com uma conhecida que teve filho recentemente, ela contou que no último mês da gravidez e no primeiro com o bebê, se trancava todos os dias pra chorar no banheiro porque não se sentia bem pra reclamar pra ninguém sobre o que estava sentindo sem que alguém falasse "ah, deixa pra lá, faz parte, passa". Claro que passa, todo mundo sabe disso, mas falar que passa não é a maneira mais sensível de lidar com os sentimentos de alguém que está sensível emocionalmente, passando por um momento complicado e com uma pressão gigantesca de todos os lados para ser feliz.

Falo por mim: tem dias que tenho vontade de desaparecer. Ou porque estou me sentindo gigante de gorda (quando suas roupas param de te servir é uma loucura, eu fiquei doidinha), ou porque estou morrendo de dor nas costas, ou porque estou com azia e enjoos que estão me enlouquecendo (e eu estou enjoando a gravidez inteira). Eu fico chata, choro e espero o bodinho ir embora - que é o mesmo que faço quando tenho qualquer problema na minha vida. Você não muda o jeito de lidar com coisas que são desagradáveis porque está grávida. E nem tem porque ser diferente. Não conheci ninguém que tenha ganhado uma dose extra de paciência porque engravidou. Na verdade, no geral, a gente perde um pouquinho da paciência que já temos

Portanto, não ache ou sugira que uma grávida precisa estar feliz porque ela está grávida. Ela está feliz e muito (acredite) por esse motivo. Mas ela pode estar triste ou irritada por outras coisas e uma coisa não ameniza a outra.  Ninguém é obrigado a ser 100% feliz porque essa condição de vida não existe - estando grávida ou não.


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